quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Brasil antártico, editorial da “Folha de São Paulo”

Expedição ao interior da Antártida e centros polares indicam novos e positivos rumos no programa nacional 
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A Antártida, na visão de muitos brasileiros, fica longe demais para merecer atenção. Há 26 anos, porém, o país sustenta o Programa Antártico Brasileiro (Proantar) com relativo sucesso. Após um quarto de século, o programa deu um salto quantitativo e qualitativo -o que é bom e útil para o Brasil, tendo em vista a proximidade do continente austral de 13,83 milhões de km2 e sua influência sobre o país.
No manto antártico encontra-se cerca de 90% da água doce do planeta, mas em estado sólido. Todo esse gelo exerce enorme influência sobre o clima da Terra. O Brasil, sétima nação mais próxima da Antártida, não poderia escapar dela.
Há indicações de que as frentes frias no Sul e no Sudeste, por exemplo, estejam diretamente relacionadas com o mar congelado em torno do continente branco. Na pior das hipóteses, os processos que lá ocorrem são tão importantes para o clima nacional quanto a Amazônia, mas bem menos conhecidos. Faz sentido investir na pesquisa antártica.
Manter um programa de investigação significativo, de resto, constitui exigência legal aos membros consultivos do Tratado Antártico, que entrou em vigor em 1961. O Brasil adquiriu essa condição em 1975, na esperança de exploração de jazidas de gás natural, carvão e petróleo na Antártida. Tal possibilidade foi suspensa pelo Protocolo de Madri, de 1991 (em vigor desde 1998), que designa o continente como "reserva natural, devotada à paz e à ciência".
O Proantar, criado em 1982, levou à instalação da Estação Antártica Comandante Ferraz na ilha Rei George, nas Shetlands do Sul. Fica na ponta da península Antártica, região mais próxima da América do Sul. Em seu entorno realiza-se a maior parte dos estudos científicos, muitos deles de caráter convencional e descritivo, como pesquisas populacionais sobre aves.
A latitude menos inclemente em que se localiza a estação, -62; o polo Sul está a 90- não propicia, contudo, condições adequadas para investigar o elemento onipresente na Antártida: gelo. Esse manto com espessura média de 1.829 metros está na base da pesquisa polar mais avançada, que lança mão das informações físico-químicas em microbolhas de ar nele seladas há dezenas, centenas, milhares ou milhões de anos, dependendo da profundidade. A pesquisa nacional com testemunhos de gelo era mínima.
Tal situação começou a mudar de modo decidido com o Ano Polar Internacional 2007/2008, que se encerra no próximo mês de março. Trata-se da quarta edição de um esforço internacional de pesquisa que envolveu 63 países e 227 projetos de pesquisa, 28 deles brasileiros, com participação de 30 instituições. Só o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) investiu R$ 28 milhões, a maior soma já aplicada na investigação antártica desde a criação do Proantar.
O ponto alto desse esforço foi a Expedição Deserto de Cristal, que reuniu sete pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro na primeira missão científica brasileira ao interior do continente. No centro da missão estava a obtenção de testemunhos de gelo na região dos montes Patriot e do monte Johns, 2.157 km ao sul da estação brasileira e a apenas 1.083 km do polo Sul.
Boa parte da análise do gelo coletado pelo grupo ainda será realizada no exterior, pela Universidade do Maine (EUA), mas também essa limitação cairá em breve.
No final de novembro, ao anunciar a criação de uma centena de Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), o MCT consagrou dois dedicados à ciência polar: o INCT Antártico de Pesquisas Ambientais e o INCT da Criosfera. O segundo centro será coordenado pelo glaciologista gaúcho Jefferson Cardia Simões, líder da Expedição Deserto de Cristal, e contará com laboratórios frios para processamento dos testemunhos colhidos na Antártida e em geleiras andinas.
O biênio 2007/2008 pode entrar para a história como aquele em que o país passou a prestar a atenção devida à Antártida. Para isso, será preciso sustentar esses passos iniciais no interior do continente com a mesma determinação com que se conduziu o Proantar nos seus primeiros 25 anos -e com mais recursos.
Fonte : Folha de São Paulo, 19/1

o autor deste Blog orgulhosamente faz parte do equipe do projeto Criossolos, que estuda os ecossistemas terrestres na Antártica, com ênfase em solos.

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